Do 'ser' ao 'ter'

  

Se pode “ter” tudo aquilo o que não se pode “ser”.

 

De cara o leitor deve imaginar que este articulista está louco, ou inverteu o título. Isso pois, atualmente muito se tem falado em darmos mais valor ao “ser” do que ao “ter”; isto é, do “ser” - enquanto a essência do ser humano - em detrimento do “ter” – enquanto a importância aos bens materiais.

 

Na verdade refiro-me à questão da aquisição de virtudes. Embora todos tenham defeitos, muitos deles podem ser contornados. Explico.

 

Há uma diferença entre temperamento e caráter. Temperamento é o conjunto de características inerentes a um ser humano que é formado por fatores genéticos e culturais.

 

Geneticamente temos grandes chances de ‘puxarmos’ nossos ascendentes (pais, avós, etc.). Do ponto de vista cultural, podemos dizer que recebermos uma forte influência de nossos familiares e do ambiente (local) onde fomos criados. Tudo isso forma INCONSCIENTEMENTE o nosso temperamento e a nossa personalidade (individualidade).

 

Já o caráter é o aspecto da nossa personalidade responsável pela maneira pela qual agimos perante as situações da vida. Caráter significa a firme vontade orientada para o bem; sendo algo modelável (forjável) por meio da aquisição CONSCIENTE de virtudes.

 

Desse modo, embora seja difícil - senão impossível - mudar nosso temperamento, o caráter pode fazer frente ao temperamento.

 

Virtudes são qualidades humanas, as quais podemos adquirir para combater certos vícios “temperamentais”. Por exemplo, a humildade para os soberbos; a paciência para quem é muito ansioso ou explosivo; a temperança/moderação para os gulosos, consumistas e usuários contumazes de tecnologia; a ordem para os desorganizados; a pontualidades para os atrasados; a constância para os impulsivos ou hiperativos; etc.

 

Todos temos dificuldades, porém a maioria ao invés de reconhecê-las (primeiro e mais importante passo) e tentar melhorar (segundo passo), simplesmente justificam-se com a ‘Síndrome de Gabriela’: “eu nasci assim, eu cresci assim, vou morrer assim... Gabriela!”

 

Contudo, a luta deve ser verdadeira, com o firme propósito de vencer a batalha; não uma lutinha de “faz de conta”. Lutar com disciplina e vontade. Como dizia Santo Agostinho, o valor da pessoa mede-se por sua vontade.

 

Para a luta se pode pedir a graça Divina e conselhos de pessoas piedosas (sacerdotes e pastores), amigos ou parentes (apesar de que ‘santo’ de casa não costuma fazer milagres. Isso porque é comum não se valorizar aconselhamentos de familiares por melhores que possam ser. Ao contrário, muitas vezes pessoas da família que tentam ajudar são tratadas com rivalidade, agressividade ou inveja).

 

É bem verdade, que há pessoas que não querem ser ajudadas, mas sim “carregadas” ao se apoiarem na ajuda alheia como se fosse uma muleta eterna.

 

O temperamento é o nosso “ser”, já o caráter o “ter”. Assim, se não consigo mudar o “ser”, pelo menos tenho a chance de formar o meu “ter”; ou seja, de adquirir virtudes para lutar contra meus próprios defeitos.

 

“O pior cego é aquele que não quer ver”; mas pior ainda é aquele que vê e não quer mudar.